Antes de pôr o pé e a voz no ‘Chão’ que aqui nos traz, seguro e carregado de novos frutos e delicadas flores, Mafalda Veiga tinha gravado 61 canções em discos de nome próprio, o primeiro dos quais já tem direito a festejar as duas décadas. Se agora lhe damos o (a)braço e aceitamos o seu permanente convite para caminharmos por dentro as cantigas, apaixonadas como sempre, maduras como nunca, fica bem recordar as ondas de choque que se seguiram à canção “Planície” e ao álbum “Pássaros do Sul”, quando Mafalda chegou, de mansinho e de rompante, a acrescentar valor à Música Portuguesa, animada por essa época mas sempre carenciada de vozes para lhe alimentar a renovação. Aquilo que parecia timidez e reserva, pedaços de um feitio que não se perdeu, também já era firmeza: Mafalda compunha, escrevia e cantava. À sua maneira.
Se me dão licença, viajo ainda longe no tempo, outra vez num salto de mais de vinte anos: a 24 de Dezembro de 1965, nascia, em Lisboa, Ana Mafalda da Veiga Marques dos Santos, família grande e grande costela alentejana. O ano, sem o saber, já ia de feição para a música, ao registar os nascimentos de Frank Black (Pixies), Linda Perry (das Four Non Blondes), Slash (guitarrista dos Guns n’Roses), Moby e Bjork. Mafalda veio reforçar a bonança e deve a sua iniciação a um tio, o guitarrista Pedro da Veiga, que conhecemos ligado ao Fado. Depois de viver alguns anos em Espanha, Mafalda regressa a Portugal e, a partir de 1983, estreia-se como autora. A canção “Velho” – que será mais tarde incluída no álbum “Pássaros do Sul” – ganha o Festival da Canção de Silves, em 1984. E Mafalda, ao mesmo tempo que se torna aluna do Curso de Línguas e Literaturas Modernas da Faculdade de Letras de Lisboa, grava as suas primeiras maquetas, com a ajuda de António Ferro e António Vacas de Carvalho.
O êxito do álbum “Pássaros do Sul”, produzido por Manuel Faria, dos Trovante, e lançado no final de 1987, fica a dever-se quase exclusivamente a “Planície” – acabando inclusivamente por não valorizar outras canções que já permitiam um esboço inicial do perfil da cantora, como “Restolho”, “Sol de Março”, (a referida) “Velho”, “Nós” ou “O Menino da Sua Mãe” (que aproveita um poema de Fernando Pessoa, numa das raras ocasiões em que Mafalda não assume o pleno no campo criativo). No ano seguinte, é lançado o álbum “Cantar”, de novo produzido por Manuel Faria – apesar de canções como “Por Outras Palavras”, “Nazaré”, “Por Te Rever” ou “O Nome do Sal”, falta-lhe um catalizador. Por algum tempo, teme-se que o impacto avassalador da canção de estreia tenha condenado o porvir da sua criadora. Como se a “Planície” tivesse secado.
2012
Chega ZOOM este álbum merece escuta atenta, é feito de pormenores preciosos, como a carreira da Mafalda merece respeito, que é uma carreira de canções com ZOOM desperto e atento ao Mundo em que vivemos, e ao Mundo que somos, cada um.
Ouça este disco inteirinho.
Quem o fizer, estou certo, não o largará mais.